"A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."

(Graciliano Ramos)



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Sabedoria indígena.

Cláudio Quintanilha Siqueira
Caldeira (2008) nos conta que o francês Jean de Léry (1534-1611) após estar em expedição no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro em 1556, teve uma sensibilidade especial para registrar o modo como os naturais concebiam a produção econômica baseado no dano mínimo aos frutos da terra. O relato abaixo, segundo o autor, é um dos raros escritos da época em que a visão dos nativos aparece narrada com alguma precisão.
Jean de Léry
Os nossos tupinambás muito se admiram de os franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar os seus arabutã (pau-brasil). Uma vez um velho perguntou-me: "Por que vindes vós e outros maírs e perôs (franceses e portuguees) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra?". Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: "E porventura precisais de muito?". "Sim", respondi-lhe, "pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados." "Ah!", retrucou o selvagem, "tu me contas maravilhas", acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: "Mas esse homem tão rico de que me falas não morre?". "Sim", disse eu, "morre como os outros."
Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: "E quando morrem, para quem fica o que deixam?" "Para seus filhos, se os tem", respondi. "Na falta destes, para os irmãos ou parentes mais próximos.". "Na verdade", continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, "agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos,como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutris suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos, mas estamos certos de que, depois da nossa morte, a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados".
FONTE
CALDEIRA, Jorge (org.). Brasil - A história contada por que viu. São Paulo: Mameluco, 2008.

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